Leite: por que algumas pessoas têm problemas com ele?

Leite: por que algumas pessoas têm problemas com ele?

Vimos no post anterior, Leite, enfim!, que o grupo de pessoas que sofre de intolerância a lactose e/ou alergias as proteínas do leite vem crescendo… Vimos também a diferença entre estas desordens alimentares, os sintomas, as proibições e as permissões na dieta deste grupo, mas deixamos de falar sobre a origem de tudo isso, que é o que exatamente vamos tentar resgatar agora!

Em relação à lactose, temos o seguinte: todos os mamíferos – e aqui nos incluímos – só consomem o leite na infância. Depois, a base da dieta passa a ser carne e/ou vegetais. O homem é o único que insiste em tomar leite na idade adulta! A questão é que o ser humano é “geneticamente programado” para deixar de produzir a enzima lactase nos primeiros anos de vida. Ou seja, com o tempo, a tendência do corpo humano é produzir menos lactase, dificultando, assim, a absorção da lactose.

Este processo de diminuição ou ausência da capacidade de produzir a lactase chama-se hipolactasia. Quando o organismo diminui a produção da lactase, ela não é digerida e passa a fermentar no intestino, se transformando em “comida” para as bactérias lá presentes. A incapacidade de produzir a lactase resulta na intolerância à lactose.

Quando o assunto é alergia às proteínas do leite, o problema encontra-se principalmente em duas delas – a caseína e a betalactoglobulina – porque o organismo humano não possui enzimas que as digiram.

O leite humano é composto, aproximadamente, por 80% de soro do leite e 20% de caseína. O leite de vaca (leite animal mais consumido) tem a composição praticamente oposta: 20% de soro do leite e quase 80% de caseína. Para digerir a caseína, temos a enzima chamada Renina, mas ela é plenamente ativa somente nos primeiros 3 a 4 anos de vida, em média. Ou seja, passada a infância, como digerir o leite de vaca que tem 4x vezes mais caseína quando já reduzimos/cessamos a produção da enzima para tanto?

Já a betalactoglobulina nem existe no leite humano e por isso não produzimos enzimas que a digiram! Daí que esta proteína acaba sendo a mais alergênica do leite de vaca para o ser humano.

Entretanto, é interessante ressaltar que há quem defenda que o problema do leite não é nem a lactose, nem a caseína, mas sim a pasteurização!  Como assim?

Existe uma campanha chamada Real Milk que defende o consumo do leite cru, não pasteurizado, fresco, consumido em cerca de 30 minutos após a ordenha, desde, claro, que produzido em condições sanitárias adequadas, oriundo de vacas saudáveis, livres de quaisquer infecções, e que tenham se alimentado adequadamente, consumindo principalmente pasto e uma pequena quantidade de grãos (orgânicos, preferencialmente). Todo o cuidado deve se estender também à ordenha, que deve ser feito com assepsia. O leite deve ser coado e resfriado, não sofrendo nenhum tipo de processamento.

Então, qual seria o problema da pasteurização, para os defensores do “Real Milk”? A pasteurização, resumidamente, é uma técnica de esterilização parcial dos alimentos para eliminação ou acentuada diminuição do número de microrganismos (bactérias) sob ação do calor, alterando-se o menos possível a estrutura física do produto e suas propriedades bioquímicas. O aquecimento é feito em temperaturas variadas, de acordo com o tipo de alimento, por um período de tempo curto. Quanto mais elevada a temperatura, menor o tempo. Após o aquecimento, o produto é submetido a um rápido resfriamento para impedir a proliferação dos microrganismos sobreviventes. O processo é calculado para obter a melhor redução da contaminação com a menor alteração do alimento.

Este processo é muito utilizado na indústria, em produtos de origem animal e vegetal, seja para a matéria-prima recebida quanto no produto final. Em regra, é utilizada em todos os alimentos in natura. Leite, sucos, cerveja, polpas de frutas e muitos alimentos são pasteurizados. No caso do leite temos duas situações: o Leite Pasteurizado e o Leite UHT.

O Leite Pasteurizado sofre um tratamento térmico suave, de 72/75 ºC por 15-20 segundos. Esta temperatura garante a destruição de microrganismos (como as bactérias e fungos) patogênicos, mas mantém vivos os microrganismos deteriorantes* e os lactobacilos probióticos benéficos para nossa flora intestinal. Mantêm, ainda, as vitaminas, proteínas e açucares do leite praticamente inalterados. O leite pasteurizado pode ser armazenado em vidro, plástico (lembra do leite de saquinho?!) e conservado frio para que dure cerca de 5-7 dias.

O Leite UHT (Ultra Hight Temperature), ou ultrapasteurizado, sofre um tratamento térmico mais agressivo, de 135 a 150ºC por 2-8 segundos, processo que garante a destruição total dos microrganismos deteriorantes e patogênicos. Esse leite é armazenado em embalagens – caixinhas Tetra Pak® ou Longa Vida – e suporta até 180 dias sem refrigeração, o que traz muitas vantagens econômicas e práticas à indústria e ao consumidor. É evidente que a redução bacteriana obtida é o principal benefício do processo, já que prolonga a vida de prateleira do produto, ao retardar a deterioração e otimizar a eficácia da refrigeração. Este processo é adotado na maioria dos países, inclusive no Brasil, onde é expressamente proibido o comércio de leite cru e seus derivados, os quais devem ser fabricados a partir de leite pasteurizado.

Entretanto, apesar dos benefícios, a ultrapasteurização também traz algumas desvantagens. As altas temperaturas também reduzem/eliminam os lactobacilos probióticos capazes de quebrar as moléculas de caseína no trato digestivo. Além disso, o processo desativa enzimas (lactase, amilase, catalase, lactoperoxidase, lípase, fosfatase) que digerem a lactose e outros carboidratos do leite, desnatura algumas proteínas frágeis importantes para a produção de alguns queijos, destrói vitaminas, promove patóginos e altera o sabor do alimento. Diante de tudo isso, vê-se que o leite ultrapasteurizado tem seu teor nutricional reduzido. E é justamente isso que alegam os defensores do “Real Milk”.

Já o leite cru, se produzido nas condições aqui já descritas, além de totalmente seguro, é absolutamente nutritivo e possuiria todos os “antídotos” que combatem as alergias e intolerâncias, mas que são eliminados no processo de ultrapasteurização.

Bem, uma opção para tentar consumir o leite da forma nutricionalmente mais próxima ao leite cru natural é buscar alternativas de leites orgânicos. Os leites certificadamente orgânicos são oriundos de vacas tratadas de forma natural, em pastos livres de agrotóxicos e fertilizantes químicos, em harmonia com o meio ambiente e por isso não necessitam de hormônios (para aumentar produção) nem medicamentos. Além disso, o processo de pasteurização do leite dispensa o uso de produtos químicos e é feita artesanalmente, conservando melhor os lactobacilos. Trata-se de um círculo virtuoso: vaca livre no pasto (em solo sem químicas) não fica “estressada”, então dispensa tantos medicamentos para manter sua saúde, então seu leite fica mais saudável (com baixo teor de químicas e agentes patogênicos), então a pasteurização também carregará menos químicas… E todos ganhamos um leite mais nutritivo e saboroso!

Bem, espero te conseguido esclarecer um pouquinho!

Bjs e até o próximo post!

*Microrganismos deteriorantes: aqueles que alteram os alimentos, causando alterações químicas prejudiciais, resultando na “deterioração microbiana”. A deterioração resulta em alterações de cor, odor, sabor, textura e aspecto do alimento.

Microrganismos patogênicos: aqueles causadores de doenças – os microrganismos nos alimentos podem apresentar risco a saúde, afetando tanto o homem como os animais. As características das doenças que esses microrganismos causam dependem de diversos fatores inerentes ao alimento, ao microrganismo em questão e ao indivíduo a ser afetado.

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